Nasci numa família disfuncional, pai alcoólatra, mãe, certamente narcisista, machista que sempre fazia questão de falar que não gostava de filhas mulheres. Em casa, eu e minhas duas irmãs éramos tratadas como lixo, já meu irmão do meio, era o Deus da casa, perfeito, o mais bonito (segundo a minha mãe) e macho. Tínhamos que servi-lo e cuidar das roupas dele, bem como fazer tudo o que ele quisesse…
Ele era pouco mais velho do que eu, uns 4 anos. Eu me lembro da primeira agressão que sofri, talvez eu ainda nem andasse, estava no sofá assistindo desenho com ele e de repente o pica pau fez algo que achei engraçado e virei para ele repetindo a mesma frase e gesto. Ele me deu um soco forte no rosto, eu tenho a lembrança de que ainda não andava direito, pois, eu não conseguia sair do sofá e comecei a chorar. Eu nunca havia sentido tanta dor, eu fiquei confusa e com medo, não sabia ao certo o que havia acontecido nem o que era aquilo
Pouco tempo depois, eu me recordo que ia começar na escola, deveria ter 6 anos. Uma visita chegou em casa para minha mãe e ela feliz disse para a sua amiga:
“ – Veja que lindo meu filho! Olha como ele cresceu! Já é todo machão, mostra as partes intimas para as meninas e já até bate na irmãzinha!” (risos)
Mal imaginava que o pior estava por vir, ele passava a mão nas minhas partes íntimas e eu mesmo não sabendo o que era aquilo me sentia mal, me sentia estranha, eu não tenho palavras para descrever o que sentia, até que não queria mais ficar perto ou sozinha com ele
Eu estava no mesmo ambiente, não me lembro onde, mas ao ouvir aquilo me senti desolada com tão pouca idade, já me senti injustiçada e impotente, pois ele me batia diariamente e meus pais achavam aquilo bonitinho, na verdade, minha mãe achava aquilo bonito, meu pai foi um homem submisso a ela
O primeiro abuso grave e a primeira ameaça
Certa vez, arranjou um grupo de meninos e me chamou para brincar (eu achei o máximo ele me chamar para brincar, pois ele só me agredia), ao entrar no quarto, todos estavam com as calças abaixadas e novamente, mesmo não entendo o que era aquilo, eu sabia que era algo errado e fiquei perplexa olhando para todos eles. Então ele me disse o que eu teria que fazer e que se contasse para alguém que eles iam me matar
Eu não sei de onde veio aquela força interior, mas eu disse para eles que poderiam me matar que eu não ia fazer. Eu morava numa casa, realmente muito grande e meu pai, tinha um escritório em casa, onde passava longas horas concentrado lá dentro. Eu corri até o meu pai com o intuito de contar, mas não consegui… meu pai me disse: O que foi filha? Está tudo bem?
Automaticamente eu olhei para uma parede onde com giz, meu pai marcava o meu crescimento e a única coisa que veio a minha mente foi perguntar:
– “Pai, que dia é o meu aniversário? Será que eu cresci?”
Meu pai riu e disse: Não, acho que ainda não cresceu, pois medimos isto ontem!
Então eu saí dali e fui para o meu quarto e lá fiquei pensando em tudo, mas, logo, minha mente de criança esqueceu tudo aquilo
A partir deste dia as agressões pioraram em todos os sentidos. Ele me batia muito, mas não mais passava suas mãos nojentas em mim. Me perseguia, falava coisas estranhas para as minhas amigas que iam brincar comigo, sempre de cunho sexual me comparando com elas. Rasgava meus cadernos, destruía meus brinquedos e todos muito ocupados, os mais velhos, não davam muita importância para aquilo e sempre colocavam a culpa em mim
Por várias vezes ele me machucou gravemente, mas não me levavam ao hospital, faziam de tudo em casa mesmo e numa situação que pareceu uma fratura, minha mãe me levou a uma enfermeira da vizinhança. A mulher bateu a porta na nossa cara e ficou muito brava, eu achei que fosse comigo, pois colocavam na minha cabeça que ninguém gostava de mim, só depois de adulta, percebi o poque aquela mulher ficou tão brava
Não havendo jeito, meu pai decidiu me levar no médico, mas ele me orientou que não falasse para o medico o que de fato havia acontecido que eu só falasse que cai, pois se eu falasse, que o médico não ia atender, pois não gostava de criança que se mete em confusão e assim eu fiz. Foi um tratamento extenso e tenho a cicatriz até hoje, foi muito grave. Ele havia me agredido com um pedaço de pau no rosto e eu desmaiei
Certa tarde ao chegar da escola, eu já não aguentava mais viver aquele horror, eu subi na janela do meu quarto que era um sobrado e decidi me jogar. Aos 11 anos eu queria acabar com a minha vida
Minha mãe viu la de baixo e começou a gritar para eu não fazer aquilo. Então eu desisti, se ninguém tivesse visto, certamente eu teria me jogado
Uma coincidência aconteceu no dia seguinte
No caminho para a escola, eu passava em frente a casa de uma amiga que se juntava a mim e íamos juntas. Às vezes, ela se atrasava e me pedia para entrar na casa dela. Por várias vezes eu vi o irmão dela, mais velho fazendo a mesma coisa que o meu fazia comigo.
Tínhamos por volta de 11 e o irmão dela, uns 16. Do nada, assim como o meu irmão, ele partia para cima dela com muita fúria e eu percebi que o foco dele era chutar as partes íntimas dela, nesta última vez ele chutou bastante até ela cair e ficar toda rocha nos braços, peguei os cadernos dela pelo chão e gritei: Vamos! Vamos! Então corremos para a escola e no caminho eu disse para ela que meu irmão também era assim. Ela olhou para mim e disse: “Ele é bom para mim. Minha mãe disse que ele me protege”
Aquela frase virou uma chave estranha dentro de mim e algo diferente aconteceu: a certeza de que tudo aquilo era de fato muito errado e que não deveríamos passar por aquilo e que o erro estava em nossas mães. Foi o meu primeiro raciocínio sobre isto, desta forma
Mais alguns dias se passaram, e novamente, eu passei em frente a casa dela, mas haviam 3 viaturas da polícia, ela e a mãe gritando de tanto chorar, desoladas, descontroladas em pleno sofrimento. Eu não fui até lá e fui para a escola pensando no que poderia ter acontecido
Descobri na escola que mataram este irmão dela e que ele usava drogas e que sua morte foi por este motivo. Eu era criança e não sabia ao certo o que tudo aquilo significava. Após o ocorrido, minha amiga e a família dela, sumiram daquela casa e eu nunca mais a vi e nem falei com ela
Enquanto isto, o meu irmão triunfava em casa. Tinha todos os vídeos-games mais caros, revistas e vídeos pornográficos ou de violência extrema, armas de brinquedo e uma arma de chumbinho com a qual já havia atirado em mim, mas que felizmente não pegou, atirou em várias bonecas minhas e ursos de pelúcia e tudo continuava como sempre
E por muitas vezes, eu desejei que o que acontecera com o irmão da minha amiga acontecesse com ele, mas nada, jamais aconteceu e ao mesmo tempo, me senti culpada por pensar assim
Ele cresceu e bateu em algumas mulheres da rua, juntou-se com uma moça menor de idade e bateu muito nela também. Ele tinha todo o respaldo dos meus pais, inclusive jurídico para fazer o que sempre gostou de fazer: bater e abusar de mulheres
Desta vez, alguns homens prometeram matá-lo. Imediatamente, minha mãe o mandou para outro estado, com casa mobiliada por ela, aluguéis e comida paga, tudo o que ele precisasse
Sendo plenamente sustentado pelos meus pais, talvez tenha conseguido seu primeiro emprego por volta dos 30 anos, enquanto eu trabalhava fora desde os 16
Passou a ameaçar meu pai já idoso que tinha medo de ficar sozinho com ele
Na vida adulta, mesmo eu longe de todos estes tormentos, se ele me ver, parte para cima de mim para agredir com o intuito de matar, eu vejo na face dele, a mesma fúria que vi pela primeira vez quando ainda nem andava direito
Possui uma fixação doentia por mim, quer sempre saber se tenho vida sexual, como é e com quem
Justiça? Não há justiça para mulheres como nós, principalmente se a família for gerida por psicopatas, perante a sociedade, suas reputações são incontestáveis, ou as vezes possuem membros abastados ou em posições de poder, eles nos invalidam e protegem o agressor com unhas e dentes. Nunca, jamais aconteceu nada com ele e assim, as vezes tenho conhecimento de que ele agrediu alguma mulher ou idoso na rua e se der algum problema a família corre para defendê-lo e conseguem e assim a vida, infelizmente vai seguindo. Ele sabe muito bem a quem escolhe, normalmente, pessoas vulneráveis em todos os sentidos. Ele já com uns 40 anos, “saiu” com uma menina de 12 anos, ela, em troca de comida, minha mãe disse que a menina não prestava e que ela o seduziu. Eu fiquei sabendo por que ele mesmo me contou. Tudo que tivesse cunho sexual ele gostava de me contar para me horrorizar e patologicamente, sempre me comparava com o corpo ou a atitude de suas outras vítimas
Peço as autoridades que tenham um olhar mais aprofundado quando uma criança ou uma mulher pedir ajuda em uma delegacia. Por volta de dez anos de idade, eu cheguei toda ensanguentada em uma delegacia, isto faz muito tempo e naquela época as coisas eram diferentes, nem o estatuto da criança e adolescente existia, então, o delegado me disse:
“- Seu irmão te bate por que você é namoradeira”
Me tratou muito mal e me mandou embora da delegacia, eu deveria ter 12 anos, naquele momento a minha fé foi abalada, meu corpo ainda era totalmente infantil e eu nem havia ainda pensado sequer dar um beijo na boca e assim a vida foi seguindo até eu fugir de casa para me livrar deste tormento, neste dia, senti vontade de me jogar na avenida em cima do primeiro carro que visse
Peço que entendam que somos pessoas e que de fato, façam alguma justiça acontecer, que toda sociedade, vizinhos, ao verem uma criança diariamente sendo espancada que façam alguma coisa, pois ninguém está livre de psicopatas e um dia, um deles poderá fazer mal a algum ente querido de vocês
Sobre mim, eu venci tudo isto! Sai deste meio familiar horroroso, estudei e me tornei uma mulher integra, graças a Deus. Se eu pude, não importa sua circunstância, você também pode! Acreditem e lutem!
Maria
(nome fictício)